Tag Archives: manuel bandeira

Lirismos de Quinta – 08/09/2011

8 set

Uma sugestão do leitor Vinicius Ramede.

Nú, de Manuel Bandeira

Quando estás vestida,
Ninguém imagina 
Os mundos que escondes 
Sob as tuas roupas. 

(Assim, quando é dia, 
Não temos noção 
Dos astros que luzem 
No profundo céu. 

Mas a noite é nua, 
E, nua na noite, 
Palpitam teus mundos 
E os mundos da noite. 

Brilham teus joelhos, 
Brilha o teu umbigo, 
Brilha toda a tua 
Lira abdominal. 

Teus exíguos 
– Como na rijeza 
Do tronco robusto 
Dois frutos pequenos 

Brilham.) Ah, teus seios! 
Teus duros mamilos! 
Teu dorso! Teus flancos! 
Ah, tuas espáduas! 

Se nua, teus olhos 
Ficam nus também: 
Teu olhar, mais longe, 
Mais lento, mais líquido. 

Então, dentro deles, 
Bóio, nado, salto 
Baixo num mergulho 
Perpendicular. 

Baixo até o mais fundo 
De teu ser, lá onde 
Me sorri tu’alma 
Nua, nua, nua…

Lirismos de Quinta – 14/07/2011

14 jul

Um dos mais belos poemas de Manuel Bandeira.

Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Lirismos de Quinta – 14/10/10

14 out

Esta semana (precisamente, ontem), recordamos o 42º aniversário de morte do poeta pernambucano Manuel Bandeira (a quem, percebe-se, adoramos aqui no EV!). Diagnosticado ainda bem jovem com tubercolose (uma doença que, àquela época, matava), passou a viver uma vida em que a morte lhe espreitava na próxima esquina. A próxima esquina, porém, ainda estava muito além do que ele imaginava: morreu aos 82 anos de hemorragia gástrica, sem nenhum envolvimento com suas mazelas respiratórias. Ficou registrada, contudo, em sua poesia, um profundo sentimento de beira do abismo que só poderia ser dignamente projetado por alguém cujo pé sempre esteve na cova. Uma visão de mundo única que pode ser ilustrada por, entre outros grandes poemas, os dois que trago abaixo:

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
– Respire.

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d`água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Este último, de tão famigerado, merece até um comentário. Não sou eu que comento, porém. Na voz do próprio poeta foi dito o seguinte:

‘“Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. […] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias […]. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Senti na redondilha a primeira célula de um poema […].’

Meu comentário, entretanto, faz-se necessário, senão para alguém, decerto para mim mesmo: Bandeira não morreu.

A necessidade do supérfluo

6 jun

Barracão Butiquim organiza segundas-feiras poéticas durante o mês de Junho

Antônio Sérgio Bueno, Jair Corgozinho e Kaio Carmona guiarão, às segundas-feiras do mês de junho de 2010, os interessados pelo vasto mundo da linguagem poética por uma jornada de aprofundamento sabiamente intitulada A necessidade do supérfluo . O evento é uma iniciativa do Barracão Butiquim (Rua Antônio Justino, 438, Pompeia, Belo Horizonte, MG) e se destina não só aos amantes platônicos da poesia, mas também àqueles que almejam uma base mais sólida para a leitura de poemas.

Carlos, Manuel e Vinícius estarão no foco das discussões que acontecem das 19hs às 21hs nos dias 07, 14, 21 e 28/06/10. Atenção ao fato de que é necessário inscrever-se previamente, uma vez que os participantes receberão materiais cuja quantidade deve ser calculada. Dê um pulo aqui para saber mais detalhes.

Semana da Poesia EV – Quinta-feira (25/03/2010) – Lirismos de Quinta

25 mar

Andorinha

Andorinha lá fora está dizendo:

– “Passei o dia à toa, à toa!”

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!

Passei a vida à toa, à toa…

Manuel Bandeira

Dia Mundial da Poesia

21 mar

Em homenagem ao Dia Mundial da Poesia, o Extra Virgem traz hoje um poema de Manuel Bandeira. Aproveitem!

Rimancete

À dona de seu encanto,
à bem-amada pudica,
Por quem se desvela tanto,
Por quem tanto se dedica,
Olhos lavados em pranto,
O seu amante suplica:

O que me darás, donzela,
Por preço do meu amor?
– Dou-te os meus olhos (disse ela),
Os meus olhos sem senhor…
– Ai não me fales assim!
Que uma esperança tão bela
Nunca será para mim!
O que me darás, donzela,
Por preço do meu amor?
– Dou-te meus lábios (disse ela),
Os meus lábios sem senhor…
– Ai não me enganes assim,
Sonho meu! Coisa tão bela
Nunca será para mim!
O que me darás, donzela,
Por preço de meu amor?
– Dou te as minhas mãos (disse ela),
As minhas mãos sem senhor
– Não me escarneças assim!
Bem sei que prenda tão bela
Nunca será para mim!
O que me darás, donzela,
Por preço de meu amor?
– Dou-te os meus peitos (disse ela),
Os meus peitos sem senhor…
– Não me tortures assim!
Mentes! Dádiva tão bela
Nunca será para mim!
O que me darás, donzela,
Por preço de meu amor?
– Minha rosa e minha vida…
Que por perdê-la perdida,
Me desfaleço de dor…
– Não me enlouqueças assim,
Vida minha! Flor tão bela
Nunca será para mim!
O que me darás, donzela?…
– Deixas-me triste e sombria,
Cismo… Não atino o quê…
Dava-te quando podia…
Que queres mais que te dê?

Responde o moço destarte:
– Teu pensamento quero eu!
– Isso não… não posso dar-te…
Que há muito tempo ele é teu…

Adendo: uma semana que começa assim, tão belamente, merece poesia todos os dias, não? Nesta ocasião especialíssima, teremos Lirismos de Quinta não só nas quintas-feiras, mas em todos os dias desta semana! Comente os poemas nos comentários e mande suas sugestões por e-mail!

Lirismos de Quinta – 25/02/2010

25 fev

Colaboração da querida amiga Rivâni Del Rio:

Poética
Manuel Bandeira


Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.